Muitos são os dramas socioambientais no município de Vila Velha. Já se tornou comum que chuvas – mais ou menos volumosas – causem transtornos no dia-a-dia da cidade e virem pauta da imprensa capixaba devido às perdas materiais e de qualidade de vida da população. Registros históricos dão conta de inundações em Vila Velha desde os primeiros anos de ocupação territorial, mas é consenso entre pesquisadores que a urbanização do local é uma das maiores catalisadoras dos problemas socioambientais que o município enfrenta hoje.
Pesquisadoras da Universidade de Vila Velha apontam dois tipos de desastres naturais mais recorrentes no município: inundações e enxurradas (SOARES; COELHO; ROSA, 2019). De causas naturais, mas intensificadas pela má gestão do espaço ocupado pelo concreto das cidades, esses desastres trazem consequências sociais: famílias perdem suas casas e móveis nas enchentes, pessoas vulneráveis ficam expostas à doenças transmitidas pela água contaminada e a circulação pela cidade é impedida. Independentemente de qual seja a situação específica, pesquisadores da Universidade Federal do Espírito Santo e da Universidade Federal de Minas Gerais destacam as marcas da ocupação humana do território como basilares para as ocorrências de desastres: expansão da mancha urbana e desnaturalização, que suprimem os fluxos d’água e potencializam inundações (SARTÓRIO; COELHO, 2022).
Segundo esses autores, a desnaturalização do Canal da Costa, bem como de outros canais da cidade, é consequência de um processo de urbanização que impacta o leito e dá origem a uma série de consequências ambientais com impacto social. Junto com o estreitamento das vias fluviais, uma soma de fatores contribui para cenários de inundação: o concreto impermeável, o asfalto e a cobertura do canal.
Especificamente o Canal da Costa, inicialmente chamado de Rio da Costa, com seus 6,1km de extensão, passou por uma série de adequações aos novos contornos da cidade.
Sartório (2018) destaca que embora algumas importantes obras de engenharia tenham sido feitas no Canal da Costa para melhor adequá-lo à cidade e posteriormente reduzir os danos causados por sua desnaturalização, um resultado satisfatório não foi concretizado, haja vista que as inundações persistem. A solução seria, nesse sentido, reduzir os impactos tanto quanto for possível na cadência do crescimento urbano, e repensar o modelo de desenvolvimento das cidades para um formato menos nocivo e degradante, que propicie um ecossistema equilibrado.
Um levantamento realizado pelo jornal A Gazeta em 2017 dá conta de que 23 bairros do município de Vila Velha são cortados e/ou afetados pelo Canal da Costa, desde bairros nobres até bairros considerados periféricos no desenho da cidade: Praia da Costa, Itapoã, Coqueiral de Itaparica, Residencial Coqueiral, Cocal, Boa Vista I, Boa Vista II, Vista da Penha, Soteco, Cristóvão Colombo, Ilha dos Ayres, Olaria, Divino Espírito Santo, Santa Mônica, Santa Mônica Popular, Praia de Itaparica, Brisamar, Jardim Guadalajara, Santa Inês, Jaburuna, Centro, Glória e Praia das Gaivotas. Cruzando com dados da Cesan, se descobriu que 17% dos quase 70 mil imóveis da região não estavam ligados à rede de esgoto, sendo que quase metade desses imóveis já possuíam acesso à rede, mas não fizeram a ligação. Para onde vai, então, o esgoto desses 12 mil imóveis desconectados da rede de coleta? Para o Canal da Costa, outros valões fluviais e fossas irregulares. Os danos socioambientais são enormes.
Com o acúmulo de lixo descartado irregularmente, despejo de esgoto não tratado e com a pouca eficiência das estações de bombeamento da água da chuva, o que transborda pelas ruas de Vila Velha durantes as inundações é uma mistura de dano ambiental com risco à saúde humana.
Autores defendam que a gestão da situação com os canais e suas consequências ambientais sejam responsabilidade da Administração Pública, em diferentes esferas, e embora a Prefeitura Municipal de Vila Velha proponha ações em seu Plano de Contingência, uma pesquisa realizada com duas comunidades às margens do Canal da Costa revelou uma trama complexa de responsabilização e culpabilização pelos conflitos gerados, especialmente em contextos periféricos de pouca circulação de capital. Monteiro (2016) destaca que embora em alguns casos o Estado seja apontado facilmente como responsável pelo problema, seja por má-gestão ou por omissão, em outros casos a própria população é culpabilizada, tanto sendo acusada de ela própria contribuir para o problema (descartando esgoto e resíduos em espaços indevidos, por exemplo) ou adotando uma postura passiva de pouco ativismo em enfrentamento ao poder do Estado. Independemente de culpabilização, Monteiro (2016, p. 220) aponta que “[…] o Estado tem a responsabilidade “ex post facto” […], legal ou jurídica, de tentar corrigir o dano causado pelo descaso, pela ineficiência/ineficácia e por ações iníquas daquele ator que colocam em situação de desrespeito aos direitos humanos nas duas comunidades”.
FONTES DE PESQUISA:
ÁGUAS passadas: Série especial. Série especial. A Gazeta. Vitória, p. 18-21. 19 jun. 2017.