Camburi – Pó Preto

Ar puro: direito ameaçado pelo pó preto na Grande Vitória

Por Daniel Jacobsen

A poluição atmosférica causa problemas para a saúde humana e contribui para a perda de qualidade de vida. Segundo o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, o ar puro é um direito humano, mas apenas 12% das cidades têm níveis de qualidade do ar compatíveis aos padrões de qualidade da Organização Mundial de Saúde (OMS). Mas na Região Metropolitana da Grande Vitória, no Espírito Santo, saiba que provavelmente esse direito violado neste momento, basicamente por causa da atuação das empresas Vale, Samarco e Arcellor Mital.

Para além dos gases poluentes, entre os quais o dióxido de enxofre (SO2), os óxidos de nitrogênio (NOx, NO, NO2), o monóxido de carbono (CO) e o ozônio (O3), uma preocupação dos especialistas em saúde e em meio ambiente é o chamado material particulado, partículas muito finas de sólidos ou líquidos suspensos no ar.

O já conhecido “pó preto”, proveniente das mineradoras e siderúrgicas, que se acumula nas casas e nos pulmões da população capixaba, tem aumentado significativamente nos últimos anos, apesar de algumas iniciativas das principais empresas emissoras em reduzir o lançamento das partículas.

Esse material particulado se apresenta em pelo menos duas formas, a depender do tamanho das partículas. As MP10 são as partículas inaláveis, com diâmetro de 10 micrômetros (µm). As MP2,5, partículas respiráveis, são ainda mais finas, com 2,5 micrômetos (µm) ou menos de diâmetro. Para se ter ideia de quão finas são essas partículas de pó, basta uma comparação simples: uma folha de papel comum tem espessura média entre 50 e 100 µm, ou seja, é pelo menos 20 vezes mais grossa que uma partícula respirável de um poluente.

O Relatório da Qualidade do Ar na Grande Vitória 2021, elaborado pelo Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (IEMA), aponta valores altos, próximos ou acima dos recomendados desses poluentes em diversos pontos da Grande Vitória. A mais preocupante é a qualidade do ar no bairro Enseada do Suá, em Vitória. A média anual da concentração de MP2,5 captada na foi de 10,5 microgramas por metro cúbico (µg/m³). O limite máximo segundo a OMS é de 10 µg/m³, embora em nível estadual a recomendação seja bem mais flexível, 20 µg/m³, segundo estabelecido pela Resolução CONAMA nº 491/2018.

O relatório conclui que para o parâmetro MP2,5, foram registradas ultrapassagens para as médias anuais na estação Enseada do Suá. Para o parâmetro MP10, foram registradas ultrapassagens para as médias de 24h nas estações de Cidade Continental, Ibes, Vitória-Centro e Carapina. Enquanto que para longa exposição (anual) houve ultrapassagens das diretrizes OMS nas estações de Cidade Continental, Ibes e Vitória-Centro.

Uma preocupação apontada no relatório do IEMA é justamente a maior flexibilidade das legislações federal e estadual em relação aos níveis de poluição do ar em relação aos valores recomendados pela OMS. Se analisados mediante a legislação brasileira e capixaba, a maior parte dos dados mostra conformidade, mas são, ainda assim, valores considerados altos.

Os problemas socioambientais decorrentes da industrialização do Espírito Santo começaram ainda na década de 1960. O Porto de Tubarão e a Vale foram instalados em local impróprio. As rajadas de vento nordeste que predominam na região na maior parte do ano sopram o pó de minério para os bairros próximos. Além disso, o pó se precipita na areia e na água do mar, implicando na qualidade e na balneabilidade das praias, também afetando recursos hídricos.

No caso do pó preto, pesquisadores ressaltam que quando a Vale S.A., na época Companhia Vale do Rio Doce, propôs a ampliação do Complexo de Tubarão, as entidades representantes da sociedade civil tiveram pouco poder de enfrentamento, apesar de possuírem capital econômico, social e cultural. Esse grupo de entidades era composto pelas associações de moradores dos bairros de Mata da Praia, Ilha do Frade, Ilha do Boi, Enseada do Suá, Praia do Suá, Barro Vermelho e Santa Luzia, Jardim da Penha e Praia do Canto (incluindo a associação comercial do bairro), localizadas em Vitória, e a associação de moradores da Praia da Costa, em Vila Velha. Essa desigualdade de forças em disputa ainda se mantém, e enquanto isso o pó preto sopra por sobre a cidade.

Fontes de pesquisa:  

FROIS, Israel D. de Oliveira. O entorno da VALE S.A. na perspectiva do direito à cidade: da miopia verde à catarse do pó preto. Dissertação (mestrado) – Programa de Pós-graduação em Ensino de Humanidades. Instituto Federal do Espírito Santo. Vitória-ES. 2018. Disponível em: https://repositorio.ifes.edu.br/handle/123456789/571  

IEMA. Relatório da Qualidade do Ar na Grande Vitória 2021. Disponível em: https://iema.es.gov.br/qualidadedoar/relatorios 

MILANEZ, Bruno. Mineração, ambiente e sociedade: impactos complexos e simplificação da legislação. IPEA – Boletim regional, urbano e ambiental | 16 | jan.-jun. 2017. Disponível em: https://repositorio.ipea.gov.br/handle/11058/7936 

NASCIMENTO, A. P. et al. Associação entre concentração de partículas finas na atmosfera e doenças respiratórias agudas em crianças. Rev. Saúde Pública, 51 (0), 12 Jan 2017. Disponível em: http://old.scielo.br/scielo.php?pid=S0034-89102017000100202&script=sci_arttext&tlng=pt 

PINHEIRO, Larissa Franco de Mello Aquino. A construção de um problema social: o caso do “pó preto” e seu debate nas audiências públicas de licenciamento ambiental em Vitória/ES. Dissertação de mestrado. Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais. Universidade Federal do Espírito Santo. 2012. Disponível em: https://repositorio.ufes.br/handle/10/5839 

Clique aqui e veja um mapa da Grande Vitória para acessar os dados sobre pó preto em cada ponto.